October 20, 2025

Por que, na minha experiência, as bibliotecas de WhatsApp sempre acabam quebrando

Um olhar pessoal e técnico sobre os motivos pelos quais integrações com o WhatsApp vivem em constante instabilidade — com base em experiências reais em projetos de larga escala.

Por que, na minha experiência, as bibliotecas de WhatsApp sempre acabam quebrando

Por que, na minha experiência, as bibliotecas de WhatsApp sempre acabam quebrando

Este texto não é uma crítica a nenhum projeto ou desenvolvedor.
É apenas a minha visão pessoal, baseada em experiências reais com integrações de larga escala usando bibliotecas populares como Baileys, Whatsmeow e WPPConnect.

Ao longo dos anos, percebi que — independente da linguagem ou do autor — os mesmos problemas se repetem.
E, na minha opinião, o motivo é estrutural, não pontual.

1. O WhatsApp nunca foi uma API pública

Tudo começa pelo fato de que o WhatsApp não é uma API pública oficial.
Todas as libs que conhecemos hoje foram criadas a partir de engenharia reversa sobre o WhatsApp Web.

O próprio README do Baileys afirma que se trata de uma "implementação não oficial da API do WhatsApp Web", enquanto o Whatsmeow também descreve-se como "uma biblioteca Go para o WhatsApp Web multidevice baseada em engenharia reversa".

Artigos como o da Devzery reforçam isso:

"Baileys é uma biblioteca não oficial e está sujeita a quebras sempre que o WhatsApp muda seu protocolo."

Ou seja:

  • Não há documentação pública nem contrato de API.
  • Qualquer atualização da Meta pode quebrar compatibilidade.
  • As libs precisam "descobrir" o que mudou manualmente.

E isso acontece com frequência: mudanças como a migração de jid para lid causaram falhas globais relatadas pela comunidade (digisac).

2. Falta de isolamento e previsibilidade de estado

Outro problema comum que já enfrentei é o gerenciamento de estado local.
A maioria das libs mantém as credenciais da sessão em arquivos (auth.json, session.data, etc.), o que funciona bem para bots únicos, mas quebra em ambientes com múltiplas instâncias.

Na prática, isso causa:

  • Corrupção de sessão quando duas instâncias usam o mesmo arquivo.
  • Race conditions em reconexões.
  • Desconexões aleatórias ("logged out").

Esse tipo de falha é amplamente relatado pela comunidade, como:

Problemas de Sincronização de Estado:

Problemas de Conexão e Autenticação:

Problemas de Funcionalidade:

Problemas de Dados:

Essas falhas não são bugs simples — são efeitos de arquitetura não distribuída e falta de coordenação entre instâncias.

3. Escalabilidade reativa, não planejada

Muitos times tentam escalar essas libs usando Redis, filas e workers — e isso é ótimo — mas não resolve a raiz do problema, que é a ausência de coordenação nativa entre instâncias.

Em setups reais, isso leva a:

  • múltiplos pods disputando a mesma sessão;
  • duplicação de mensagens;
  • instabilidades intermitentes.

A própria comunidade tentou endereçar isso via extensões como projetos de armazenamento Redis para Baileys,
mas até esses projetos reconhecem limitações, pois o core da lib não foi desenhado para lock distribuído nem fencing.

O resultado é o que chamo de escalabilidade reativa — você adiciona componentes externos tentando corrigir um design que não nasceu para ser distribuído.

4. Dependência de eventos e schemas voláteis

O WhatsApp muda constantemente sua estrutura interna.
Campos surgem, desaparecem ou trocam de nome — e as libs precisam "adivinhar" o novo formato.

Cada atualização do WhatsApp Web exige:

  • engenharia reversa dos novos pacotes binários;
  • atualização dos schemas locais;
  • e publicação de uma nova versão da lib.

Essas quebras são visíveis em repositórios como:

Sem um contrato formal, toda mudança vira um incêndio comunitário.

5. Falta de observabilidade

Poucas dessas libs oferecem métricas ou logs estruturados que ajudem a entender o que está acontecendo em tempo real.
Quando algo quebra, o log padrão mostra apenas "disconnected".

Isso torna impossível responder perguntas como:

  • Quantas sessões estão realmente ativas?
  • Qual o tempo médio entre reconexões?
  • Há padrões de erro por região?

Há tentativas de melhorar isso — como a feature request de métricas no Whatsmeow (#921)
mas ainda não existe uma camada de telemetria padronizada no ecossistema.

E sem telemetria, não existe previsibilidade.

6. Quando a Meta muda, tudo quebra em cascata

Esse é o ponto mais delicado que já presenciei em operações reais.

O WhatsApp muda o protocolo →
as libs quebram →
os gateways caem →
e cada empresa tenta corrigir por conta própria.

Em 2024, por exemplo, uma alteração no handshake do WebSocket causou falhas simultâneas em múltiplos projetos.
Isso pode ser visto nos commits e discussões do Baileys entre fevereiro e abril de 2024 —
um período em que diversos PRs de correção foram mesclados em sequência.

Essas ondas de instabilidade mostram que a comunidade inteira depende do mesmo ponto frágil:
um protocolo proprietário que muda sem aviso.

7. O problema é estrutural, não de código

Com base em tudo que vivi, posso dizer que o desafio não é "corrigir bugs",
mas repensar a arquitetura.

Falta às libs:

  • isolamento de falhas (actor model, supervision tree);
  • coordenação distribuída (ownership + fencing tokens);
  • observabilidade nativa (metrics, traces);
  • mecanismos automáticos de mitigação de mudanças (circuit breakers adaptativos e fallbacks inteligentes quando a Meta alterar contratos);
  • canary-driven monitoring
  • contract-driven development (CDD)
  • feature-flag first
  • observability-driven engineering
  • chaos & mutation testing
  • policy-based mitigation
  • human-in-the-loop for code-gen

Esses conceitos existem em sistemas como Kafka, NATS JetStream e Erlang OTP,
mas ainda são raros no ecossistema de bibliotecas para WhatsApp.

Minha conclusão

Na minha opinião — baseada em experiências reais —, o problema não são as bibliotecas.
Elas são incríveis pelo que entregam, considerando as limitações.
Mas o que falta é uma camada de infraestrutura resiliente, capaz de lidar com mudanças, sincronizar estado e escalar com previsibilidade.

Enquanto isso não existir,
as integrações com o WhatsApp continuarão sendo como um castelo de areia —
impressionante quando está de pé, mas vulnerável à próxima onda.

Este texto reflete minha experiência pessoal e profissional, operando grandes volumes de sessões WhatsApp em produção.
Não é uma crítica, mas um convite à reflexão sobre como projetar integrações mais estáveis e conscientes para o futuro.